A REGREÇÃO DA REDASSÃO
Semana passada recebi um telefonema de uma senhora que me deixou surpreso.
Pedia encarecidamente que ensinasse seu filho a escrever.
– Mas, minha senhora – desculpei-me
-, eu não sou professor.
– Eu sei. Por isso mesmo. Os
professores não têm conseguido muito.
– A culpa não é deles. A falha é do
ensino.
– Pode ser, mas gostaria que o senhor
ensinasse o menino. O senhor escreve muito bem.
– Obrigado – agradeci -, mas não
acredite muito nisso. Não coloco as vírgulas e nunca sei onde botar os acentos.
A senhora precisa ver o trabalho que dou ao revisor.
– Não faz mal – insistiu -, o senhor
vem e traz um revisor.
– Não dá, minha senhora – tornei a me
desculpar -, eu não tenho o menor jeito com crianças.
– E quem falou em crianças? Meu filho
tem 17 anos.
Comentei o fato com um professor, meu
amigo, que me respondeu: “Você não deve se assustar, o estudante brasileiro não
sabe escrever”. No dia seguinte, ouvi de outro educador: ‘O estudante
brasileiro não sabe escrever’. Depois li no jornal as declarações de um diretor
da faculdade: ‘O estudante brasileiro escreve muito mal’. Impressionado, saí a
procura de outros educadores. Todos me disseram: acredite, o estudante brasileiro
não sabe escrever. Passei a observar e notei que já não se escreve mais como
antigamente. Ninguém mais faz diário, ninguém escreve em portas de banheiros,
em muros, em paredes.
Não tenho visto nem aquelas
inscrições, geralmente acompanhadas de um coração, feitas em casca de árvore.
Bem, é verdade que não tenho visto nem árvore.
– Quer dizer – disse a um amigo
enquanto íamos pela rua – que o estudante brasileiro não sabe escrever? Isto é
ótimo para mim. Pelo menos diminui a concorrência e me garante emprego por mais
dez anos.
– Engano seu – disse ele. – A
continuar assim, dentro de cinco anos você terá que mudar de profissão.
– Por quê? – espantei-me. – Quanto
menos gente sabendo escrever, mais chance eu tenho de sobreviver.
– E você sabe por que essa geração
não sabe escrever?
– Sei lá – dei com os ombros -, vai
ver que é porque não pega direito no lápis.
– Não senhor. Não sabe escrever
porque está perdendo o hábito da leitura. E quando o perder completamente, você
vai escrever para quem?
Taí um dado novo que eu não havia
considerado. Imediatamente pensei quais as utilidades que teria um jornal no
futuro: embrulhar carne? Então vou trabalhar num açougue. Serviria para fazer
barquinhos, para fazer fogueira nas arquibancadas do Maracanã, para forrar sapato
furado ou para quebrar um galho em banheiro de estrada? Imaginei-me com uns
textos na mão, correndo pelas ruas para oferecer às pessoas, assim como quem
oferece hoje bilhete de loteria:
– Por favor amigo, leia – disse,
puxando um cidadão pelo paletó.
– Não, obrigado. Não estou
interessado. Nos últimos cinco anos a única coisa que leio é a bula de remédio.
– E a senhorita não quer ler? –
perguntei, acompanhando os passos de uma universitária. – A senhorita vai
gostar. É um texto muito curioso.
– O senhor só tem escrito? Então não
quero. Por que o senhor não grava o texto? Fica mais fácil ouvi-lo no meu
gravador.
– E o senhor, não está interessado
nuns textos?
– É sobre o quê? Ensina como ganhar
dinheiro?
– E o senhor, vai? Leva três e paga
um.
– Deixa eu ver o tamanho – pediu ele.
Assustou-se com o tamanho do texto:
– O quê? Tudo isso? O senhor está
pensando que sou vagabundo? Que tenho tempo para ler tudo isso? Não dá para
resumir tudo em cinco linhas?
( Carlos Eduardo Novaes )
Com base no texto, responda ao que se pede:
- No diálogo entre a mãe e o autor do texto, percebe-se uma crítica
velada a respeito dos professores no Brasil. Identifique a crítica.
- O texto apresenta a causa porque os estudantes brasileiros não
sabem escrever. Qual é?
- Se os estudantes brasileiros, segundo o autor, não sabem escrever
porque não lêem, qual deve ser a estratégia que os professores devem
utilizar para reverter essa situação?
- Que outras causas podem contribuir para que o estudante brasileiro
tenha dificuldades para escrever?
- Por que o autor utilizou a grafia errada nas palavras do título do
texto?
- O autor se valeu dos fonemas e suas representações gráficas, em
português, para chamar a atenção do leitor. Algumas palavras, em
português, podem ter o seu sentido alterado (ou não) em razão da sua
representação gráfica. No caso do título do texto, houve alteração de
sentido? Justifique.
gosto de suas atividades
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